Autor

José Calich
Psicanalista. Membro Efetivo e Didata da SPPA
Palavra do Presidente
E a pandemia perdura. E tudo indica que teremos que conviver com o ‘estado pandêmico’ por muito tempo, com todas as suas consequências. E a(s) situação(ões) brasileira(s) perdura(m) e, por vários ângulos, preocupam ainda mais que a pandemia. Os primeiros cinco meses do ano foram um circo de horrores, em que o desmoronamento institucional, social e ético incentivado pela polarização e instrumentado pelo mundo das fake news, estimula as paixões, as ‘ocorrências’ ideológicas (aquelas que vão construindo uma visão de mundo) e o desmantelamento. Há tempos o país está desconjuntado. Nessa falta de conjunto, projetos que sugiram uma vida em comum tendem a se rarefazer. O que eram desavenças, discórdias ou pontos-de-vista, no estado de “desconjunto” são intoleráveis. Solidariedade passa a ser predominantemente um conceito politicamente correto e operacionalmente executado. A angústia é não ter com quem contar ou para onde ir. Em tamanho estado de desamparo, a sensibilidade aos sentimentos e às necessidades dos outros dá lugar a uma fantasia regressiva de não sobrevivência e de falta de esperança. Nos extremos, a supervalorização do indivíduo (em todas as suas nuances e ‘necessidades’) vem acompanhada da desvalorização dos demais. Caímos no mundo da falta de respeito, da tirania do desejo e da pornografia da opinião, quando a reflexão se torna um objeto de evitação, de rechaço (mesmo com violência), e sendo substituída por seus simulacros, pela palavra dessignificada ou francamente pervertida. Desnecessário dizer que a psicanálise perde espaço em um mundo onde a reflexão, a consideração e a busca de verdade não são bem-vindas.
Nossa Sociedade tem mantido o seu esforço de enfrentar a pandemia e também essa série de outras pressões, agora permanentes. Procuramos manter e ampliar nossos espaços de reflexão psicanalítica. Seguimos com a integralidade do programa de formação psicanalítica, vivo e profícuo. Tivemos excelentes atividades. Duas das maiores, a de Abertura do Ano Científico e o Simpósio da Infância e Adolescência, podem ser conhecidas nas páginas desse jornal. Tivemos estimulantes Quintas Científicas, apresentação de um importante número de trabalhos para Membro Associado e Efetivo, debates produtivos em encontros de nossas Comissões (Clube de Revista, Comitê Mulheres e Psicanálise - COWAP, Casal e Família). Demos seguimento e ampliamos as nossas atividades voltadas à comunidade: Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (SMED), Projeto Pescar, Ministério Público, Atendimento Solidário – reativado –, e, agora, uma parceria com a UNICEF para compor com outras instituições a supervisão de trabalho com adolescentes em todo o país, a ser coordenada pela Diretoria de Infância e Adolescência. A Diretoria criou uma comissão, “Estudos Psicanalíticos, sobre Intolerância e Preconceito”, que já se encontra em funcionamento e inclusive elaborou uma proposta de atendimento a candidatos de baixa renda à formação psicanalítica, encaminhada e aprovada pela Comissão de Ensino, necessitando formalização dos seus detalhes. Foi estabelecido um novo projeto de colaboração com a Junior Petra, vinculada ao Instituto de Geociências da UFRGS, para atendimento dos estudantes deste Instituto (cursos de Geografia, Geologia e Engenharia Cartográfica). Mantivemos atividades da LIPSAM (Liga de Psiquiatria e Saúde Mental da UFCSPA e da UFRGS) e estabelecemos uma nova parceria com a Escola da Magistratura para debates. Estivemos em contato ativo com o Grupo de Presidentes das Sociedades Brasileiras, com a FEBRAPSI e com nossos representantes no Board da IPA. Participamos da Assembleia de Delegados da FEPAL onde indicamos nossa colega Cátia Mello para a Comissão de Reestruturação dos Estatutos da FEPAL, tendo sido aprovada por unanimidade. Nesse período, nossa Revista alcançou o nível B1 de indexação, o nível mais elevado para publicações nacionais. E, ainda, alteramos o formato de nosso jornal para que possa ser acessado por mais leitores via computadores, tablets ou celulares, com mais praticidade, sem perder nossa essência.
Porém, seguimos tendo perdas. Nessa edição estão sendo homenageados os colegas Luiz Carlos Mabilde e Marlene Araújo, os quais, por sua longa, intensa e qualificada atividade na Sociedade, fizeram história, deixaram suas muito importantes marcas e trouxeram a falta. Perdemos também as colegas Carmem Seibert e Flávia Costa, mais distantes das atividades institucionais, mas que deixaram amizades e evocaram nossa tristeza e dor.
Nossa sede continua completamente fechada, ainda sem perspectiva de reabertura. Segue a determinação de somente voltarmos a ter atividades presenciais quando houver a total segurança sanitária de nossos membros. Nossos funcionários, todos em home office, persistem desempenhando integralmente suas tarefas, com competência e muita dedicação. Nosso continuado agradecimento a todos eles.
Enfim, mantendo a analogia que nos acompanha desde a nossa posse, apesar da turbulência, o barco segue no rio e avante. Vamos em frente e, na medida do possível, além!