Autor

José Calich
Psicanalista. Membro Efetivo e Didata da SPPA
Palavra do Presidente
Estas “Palavras do Presidente” marcam o fim da atual gestão, que termina em 13 de janeiro de 2022. Portanto, uma inevitável despedida. Foram dois anos muito marcantes. A pandemia que persiste alterou o mundo de forma inesperada, impredizível, e ainda com um elevado grau de incerteza em relação ao que realmente seguirá. A morte aproximou-se de nossa consciência, o luto passou a fazer parte do cotidiano de milhões. Os cuidados com a saúde diminuíram. O desemprego cresceu de maneira assustadora. Foi diferente ser criança com a reduzida socialização, foi diferente ser adolescente com a restrição dos grupos de iguais e poucas possibilidades de mobilidade, dentre tantas outras mudanças. Porém, como memória, exceto perdas individuais e situações extremas, a lembrança dessa perturbação provavelmente irá para o esquecimento, como quase tudo da História.
Permanecem uma série de problemas, desde alterações do comportamento (por exemplo, há muitos relatos de uma diminuição da necessidade de contatos pessoais quando comparado com a época pré-pandemia) até o aumento da violência, seja ela doméstica, urbana, “tribal”. As relações humanas passaram a ser ainda mais uma decorrência em função dos interesses políticos, ao passo que a cultura do narcisismo, paradoxalmente, se intensificou. O mundo tornou-se mais polarizado e radical, as desigualdades foram destacadas, a economia sofreu turbulências e se reorganizou de forma mais desproporcional e injusta, ao mesmo tempo em que a relação com a tecnologia se intensificou. Do virtual estamos indo na direção do metaverso, muito além da comunicação. Um mundo onde a relação humana, em uma pluralidade impactante de dimensões, poderá estar cada vez mais intermediada por elementos virtuais.
Neste mundo “diferente”, com referentes humanitários obscurecidos e oblíquos, a psicanálise passou a ser questionada em todos os seus princípios, sendo fortemente pressionada a adaptar-se à nova cultura. A Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre esteve e está atenta a essas circunstâncias, procurando abrir espaços psicanalíticos de reflexão para a sua compreensão, sempre visando manter a nossa disciplina como método terapêutico que visa aliviar o sofrimento psíquico. Integramo-nos a comissões internacionais para o estudo de novas configurações familiares, criamos grupos e eventos para discussão de questões de gênero, intolerância e preconceitos raciais, demos continuidade - e ampliamos - os grupos de atenção e estudo de problemas com o ensino fundamental (incluindo a situação deste ensino durante a pandemia), estabelecemos grupos de trabalho para abordar as questões emocionais de adolescentes em projetos de inclusão profissional, lideramos uma parceria multi-institucional com a UNICEF para o suporte emocional de adolescentes. Procuramos compreender os modelos de relação da cultura com o desenvolvimento do psiquismo individual, entre outras iniciativas. Dentro deste último tópico, recebemos virtualmente, e pela segunda vez, o Prof. Daniel Everett, cuja participação está em matéria da Diretoria Científica, constante na presente edição do Jornal.
Nossas preocupações com essas e várias outras reflexões sobre o psiquismo individual e coletivo não seriam possíveis sem o intenso apoio e colaboração dos membros da SPPA. Durante essa gestão, 169 membros da SPPA participaram de Comissões e eventos, e gostaríamos de agradecer a todos enfaticamente, bem como agradecer aqueles que estiveram presentes no grande número de eventos ocorridos nesse intervalo.
Um agradecimento especial deve ser feito ao nosso corpo de funcionários, que mostraram dedicação, empenho, qualificação e parceria no período.
Não poderia concluir sem mencionar o nosso primeiro encontro presencial desde o início da pandemia, em um happy-hour que congregou 91 colegas (todos vacinados e testados), realizado em um clima de muita animação e afeto que expressava quase explicitamente a esperança que todos temos não somente de tempos melhores, mas de que predominem os laços de vida.
Despeço-me com um amplo e sonoro MUITO OBRIGADO a todos.