Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA)

ANO 20 • • Nº 37

ÓRGÃO OFICIAL DA SOCIEDADE PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE

Porto Alegre | RS

Autor

Mauro Gus

Psicanalista. Membro Efetivo e Didata da SPPA

Crônica de uma saudade: a ausência-presença do Mabilde

Luiz Carlos Mabilde

  • Mabilde era presença leve, compreensiva, amando sempre a Psicanálise e nossas Entidades, com uma rara capacidade de harmonizar e mediar conflitos

Corria o ano 2000. Encarregado pela FEBRAPSI, a Exposição Freud se instalava e a meu convite Mabilde passa a participar ativamente, e de conhecido e colega passa também a amigo. Reuníamos as 3 Sociedades do RS e, juntos, mais uma vez exibindo a habilidade de moderador e integrador, conseguíamos uma bela Mostra.

Convidado pelo Cláudio eu assumia com Gunther Perdigão as funções de Chair e Co-Chair do Encontro Clínico FEPAL/NAIPAG reunindo cerca de 100 colegas das 3 Américas para, em grupos de 10 pessoas, debatermos casos clínicos aproximando assim critérios e técnica, muito especialmente.

Café da manhã em Manaus. Salão lotado. Mabilde chega com a Cláudia.

Mabilde apresenta Cláudia pela vez primeira. Sintonia imediata entre os casais.

Saímos para os grupos. Ida e Cláudia ainda ficariam para terminarem a refeição.

Mabilde salta com uma pérola: “ isso aí não vai dar certo...” Referia-se às duas conversando.

Rimos muito desse momento por muitos e muitos anos e sempre Mabilde responsabilizando a Ida por um caminho sem volta com a Cláudia.

Aí nasce, então, uma profunda amizade entre os casais que durou para sempre enquanto viveram; Mabilde nunca esquecera esse momento e lembrava carinhosamente os conselhos que Cláudia recebera da Ida.

Retrocedendo alguns anos, Mabilde eu já conhecia: saía garboso de sua sessão com um impecável traje branco de linho, casaco sobre os ombros “a la Humphrey Bogart”, cumprimentava discretamente ao sair e eu entrava para minha sessão com Sergio Annes.

“Seria ele um modelo? Um ator de cinema? Um político?

Sempre ríamos juntos de sua vaidade; reconhecia e não causava-lhe danos nem aos outros.

Também ríamos seguidamente desses relatos antigos: “...tb, dizia o Mabilde, filho do meio, magrinho e de óculos eu precisava fazer algo para aparecer os olhos dos meus Pais”...

Nascia aí e crescia uma forte ligação entre nós e nossas esposas que aprofundava-se em cumplicidades as mais criativas e variadas até o momento no qual decidiram comprar um aprazível lugar de veraneio perto de onde estávamos.

Inesquecíveis viagens, Congressos, discussão sobre trabalhos, sobre a IPA/FEPAL – onde por muitos anos ocupávamos tarefas – futuro de nossa SPPA... do Instituto para onde escrevia incansáveis documentos propondo mudanças e sugerindo critérios, e agora ao final um luto dolorido, difícil e pesado, uma falta indescritível que só conseguia manifestar além das palavras faladas nos intermináveis textos, poesias e poemas onde conseguia chorar e por fim nas músicas que buscava cantar dedicadas a sua inesquecível e amada Cláudia.

Cantava para nós, gravava todas as manhãs sob o amanhecer ensolarado do Litoral, caminhava falando comigo em que dizia-me repetidamente precisar despedir-se da Cláudia pois “ teriam se encorajado a tão somente se despedirem através do olhar”...Fora pouco. A dor era tamanha que toda fala seria insuficiente...Mabilde sempre ao lado da Cláudia na longa agonia.

Avô amoroso, contava os dias para visitá-los em Bento e para recebê-los na morada da praia.

“Estou indo aí”, dizia tentávamos distraí-lo com algo para comermos o que mantivemos por meses e meses, enlutados falávamos os três Mabilde, Ida e eu, sobre passagens com a Cláudia e dividíamos o passado e o presente com alguns planos para o futuro, dentre os quais brincávamos com as idéias de uma Sociedade Litorânea de Psicanálise a ser proposta como uma extensão da nossa Sociedade.

No último domingo me chamava e dizia ter que ir a POA e logo ao chegar iria chamar-nos para programarmos o final de semana que se aproximava...sentia-se pesado, a falta crescia em POA.

“Dessa vez vocês virão aqui em casa, descobri um Chef!...Ficara combinado então para a sexta-feira seguinte.

E assim nos despedimos desejando que nos cuidássemos, a Pandemia piorava e estarmos isolados manteria nossas vidas por mais tempo até a vacina, um dos principais temas que povoavam nossas conversas todos os dias bem cedo, eu tomando meu café da manhã e Mabilde, por vezes insone, em dolorosa elaboração dos lutos, caminhava – pois 3 meses após perdia Geraldo seu irmão mais velho - acentuando mais ainda as dores que vinha passando.

E, assim de repente, muito de repente, após um “cuidem-se, na volta ligo” Mabilde desapareceu como por encanto, literalmente assim...e através de um trágico telefonema do Cláudio na quarta-feira seguinte, cerca das 16:30hs dizia-a me assim: “Mauro, estás sentado? Mabilde morreu...”

O quê??????? Mas como? Como assim? Ambos atônitos ficamos sem palavras.

O restante todos conhecem, presença leve, compreensiva, amando sempre a Psicanálise e nossas Entidades, com uma rara capacidade de harmonizar e mediar conflitos, especialmente grupais e societários, um amigo de seus amigos, especialmente um ser humano único e bondoso, que atendia seus pacientes e a quem também amava e era amado...queria sempre colaborar, estar junto.

Pouquinho tempo depois recebes um merecido Prêmio de melhor trabalho pela IPA e de modo sofisticado como lhe era peculiar desejava mais uma vez colaborar com o “Processo Supervisório” e a formação dos novos e aperfeiçoamento dos mais experientes.

Irias gostar, Mabilde.

Farás muita falta, querido amigo!

Tua ausência foi profundamente sentida por todos e será para sempre marcada como uma forte e dedicada presença entre nós.

Certamente, um dia, nos encontraremos para continuarmos nossos planos, debatermos nossas ideias sobre o ‘aging’ e darmos boas risadas, abrupta, surpreendente e tragicamente interrompidas.

Merecemos.

Destes o recado. E muito bem dado.

Tem sido duro, amigão, bem difícil. Ao escrever essas palavras, pouco tempo depois morre também nossa querida e amada Marlene...Saudades!

Estamos todos de luto.

Adeus e descanse em Paz.