Autora

Ingeborg Bornholdt
Psicanalista
“Quanta coisa a gente perde porque não disse, porque não escreveu...”
Marlene Silveira Araújo
Marlene dedicou-se incansavelmente à área da Infância e da Adolescência
Nascida em 03 de outubro de 1940, em Recife, Pernambuco, Marlene Silveira Araújo tornou-se muito conhecida em solo gaúcho. Durante toda a sua vida, expandiu o seu círculo de relações científicas e pessoais para dentro de âmbitos nacionais e internacionais.
Veio ao Rio Grande do Sul em 1964, formada em Medicina, com o objetivo de iniciar então, na Clínica Pinel, através da UFRGS, sua especialização em psiquiatria. Em solo gaúcho, e sempre muito ligada à sua querida terra pernambucana, casou-se com o companheiro da vida toda, Jairo Araújo. Construíram família com dois filhos e, atualmente, netos. Também os seus irmãos vieram ao Sul e, dentro do espírito de valorização das relações afetivas e familiares que caracterizava Marlene, seguiram convivendo muito. Ela apreciava ambientes com música, danças, conversas sérias e não sérias, comidas nordestinas e trocas afetivas. Foi inesperado o seu falecimento, em 22 de fevereiro de 2021, vítima da pandemia que assola nossos dias.
Nas entrevistas dadas às Comissões do Site e de Memória da SPPA, Marlene discorre sobre as mudanças sentidas na sua chegada em Porto Alegre. Encontrou um “clima muito diferente... um pôr de sol lindo... sabem que nordestino tem muito a ver com mala, falar em mudanças e em partidas...”. Porém, ela veio com seu vigor, seus propósitos e sua disposição para a vida e, assim, fez história aqui. Além da importante trajetória profissional, desenvolveu um grande círculo de amizades ao longo das décadas em tantos ambientes e lugares por onde circulava. A médica, psiquiatra, psicanalista e entusiasta da psicanálise de crianças e adolescentes fez a sua formação psicanalítica na SPPA. Em 1979, tornou-se psicanalista da SPPA e da IPA. Seguiu mostrando interesse no atendimento de crianças e adolescentes e, naturalmente, a sua história, como a das três pioneiras, Marlene Araújo, Nara Caron e Rute Maltz, entrelaça-se profundamente com a de Zaira Martins, com quem o trio estudou e supervisionou por anos. Em 1999, brotou a semente da formação oficial em psicanálise de crianças e adolescentes. Em 2000, a formação específica foi reconhecida na IPA. A infância e adolescência passou a integrar o quadro administrativo da SPPA com diretoria específica em 2003, quando o seu programa regular teórico e clínico fluía dentro do Instituto da SPPA.
O entusiasmo e a dedicação à infância e à adolescência levaram Marlene para dentro de escolas e para programas de prevenção de saúde mental e comunitários. No interior da SPPA, dedicou-se incansavelmente a esta área específica da psicanálise. Seu trabalho clínico e a energia que devotava para tantas atividades administrativas foram fundamentais. As três pioneiras da formação oficial em análise de crianças e adolescentes na SPPA complementavam-se em aspectos pessoais e teóricos/técnicos, cobrindo estudos que iam desde a perinatalidade até a adolescência. Marlene foi muito ativa no desenvolvimento, implantação e efetivação do então chamado NIA (Núcleo de Infância e Adolescência). Durante as décadas, e até a sua morte, manteve-se extremamente ativa em seminários teóricos, supervisões e organização de eventos. Sua facilidade de comunicação e generosidade ajudaram muitos. Sobretudo dentro da SPPA, mas também na FEBRAPSI e FEPAL, trabalhou e contribuiu para a abertura de canais de comunicação e para a realização de trocas científicas e clínicas entre instituições e colegas.
Marlene Silveira Araújo foi presidente da SPPA de 1990-1991 (época do meu ingresso na formação psicanalítica). Além disso, dirigiu o Instituto entre 1994-1995. Seguem aqui algumas memórias afetivas daquela época.
Como coordenadora de seminários e por causa de suas funções na direção da SPPA e do Instituto da SPPA, Marlene foi uma presença constante e estimuladora. Creio que, ao lado de seu conhecimento científico, outras características de sua personalidade, como perseverança, humor, capacidade analítica, esperança, leveza e grande resiliência, foram importantes fatores na transmissão e difusão da psicanálise, em geral e específica, de crianças e adolescentes. São memórias marcantes para todos os membros da SPPA que com ela conviveram, em diversos momentos e lugares. São, também, um importante legado institucional.
Creio que a melhor homenagem que podemos prestar à Marlene, assim como em relação aos outros colegas e amigos que perdemos, é seguirmos nos dedicando com seriedade à psicanálise e àqueles que nos procuram para ajuda e para a formação psicanalítica.